quarta-feira, 26 de maio de 2010

Da minha loucura...

Acredito que sou um louco. Na verdade, nem sei bem ao certo se posso definir minha loucura – talvez seja porque cada pessoa classifica seu diferente como louco. Mas se eu sou meu igual, como poderia eu me considerar um louco? Pode ser que aí resida minha loucura. Muitas vezes, já falei que um louco considera todas as pessoas como loucas, enquanto vê a si próprio como normal. Neste caso (no meu próprio caso) parece que as coisas são diferentes; seria eu o verdadeiro louco?
A ideia de “louco” sempre vem junto da ideia de “alienado”. A alienação, por sua vez, pode ser entendida, de maneira bem simples, como a situação na qual um ser esteja fora de sua realidade. Desta maneira, podemos entender um louco como aquela pessoa que não vive inteiramente sua realidade simplesmente por não enxergá-la como ela é – ou, pelo menos, como a grande maioria das pessoas diz que ela é. O louco fica indignado de ver as pessoas se comportarem da maneira como se comportam, classificando-as, por isso mesmo, como sem razão. Mas, como eu afirmei acima, neste caso sou eu quem me classifico como louco. Ou apenas quero tentar me entender assim.
Eu enxergo coisas estranhas; eu as enxergo a todo momento. Mas parece serem pouquíssimas as pessoas que também conseguem ver o que vejo. Não busco alertar a todos sobre o que vejo, pois penso ser eu um louco que tem medo de ser verdadeiramente classificado como louco. Minha loucura me deixa indignado, às vezes, pois não sei como e possível que a realidade seja a mesma para todas as pessoas e apenas eu enxergue tais “coisas estranhas”.
Seriam algumas coisas realmente estranhas ou apenas uma classificação minha, que falseia a realidade? É uma questão também importante dentro desta minha loucura. Em meu mundo – pelo menos, no mundo como é entendido por mim – vejo que algo que parece estranho, normalmente não deixará de sê-lo, ou seja, mesmo que os padrões (meus próprios padrões) mudem com o passar dos anos, há certos limites intransponíveis que separam o que pode ser considerado normal ou não. Quero dizer ser importante que as posturas diante do mundo sejam revistas, mas de maneira alguma pode-se perder um fio condutor que deve ordenar a vida coletiva – pelo menos, enquanto sustentarmos o estado civil (se resolvêssemos viver isolados uns dos outros, a situação mudaria).
Eu enxergo coisas estranhas, mas parece que estas deixam de ser estranhas a cada dia. Estranhamente falando, no meio das coisas estranhas, é estranho perceber que a cada dia mais sou considerado um estranho, enquanto as coisas ganham a qualidade de serem normais. Entendo que o mundo considerado normal é simplesmente aquele formado por coisas estranhas que passaram a ser consideradas como normais pelos hábitos e costumes; de tanto certas situações ocorrerem sem que seja feito algo para que elas desapareçam, acaba-se por se acostumar com elas.
Assim, acabo percebendo que o mais estranho de tudo é o comodismo que existe em um mundo estranho que passa a ser normal a cada dia. Enxergo aí o perigo de se aceitar o mundo de olhos vendados. Ou o pior: fingir que se tem os olhos tapados por ser menos perturbador viver assim. Constrói-se uma fachada considerada mundo real, passando-se a acreditar de tal maneira nele, que não se enxerga nada além da normalidade. Na verdade, em tal situação talvez se enxergue também as coisas estranhas que ainda não se tornaram normais (na espera de que, logo, se tornem).
Como diz a música: “o que eu sinto a respeito dos homens é estranho...”. Não consigo enxergar de outra maneira e não consigo ter outro sentimento.
É estranho ver pessoas morrendo de fome para sustentar a riqueza de outros tantos. Quanta habilidade é necessária para construir um discurso legitimador de tal situação. E é exatamente isto o que o capitalismo e seus defensores tentam fazer, buscando encobrir a verdade; verdade que às vezes incomoda e é mais fácil deixar de ver. Nossa realidade se mostra na grande cisão causada pela ma distribuição de renda: apenas há ricos e milionários porque existem os pobres e miseráveis; este segundo grupo é o que realmente sustenta o primeiro. Como é possível que nem todas as pessoas enxerguem isso?
É estranho um povo eleger como seus representantes no governo aquelas pessoas que já demonstraram falta de competência e ética para tal função. Bem certo estava Maquiavel dizendo que o povo mais se importa com o que é mostrado e não com o que é a realidade mesma (por isso é que o filósofo recomenda que, para quem quer o sucesso na política, deve mais parecer que ser).
É estranho perceber que um sistema de educação instituída tente enganar, dizendo estar construindo verdadeiras pessoas nas salas de aula, com capacidades, conhecimentos e dignidade, quando, na verdade, quase nem oferecem um mínimo grau de instrução necessário. Neste contexto, quantos são os pais de alunos da escola pública que brigam por melhorias? É realmente estranho ver grande número de famílias que não se preocupam com a educação de seus filhos; esperamos o dia em que perguntas sérias serão feitas (“será que tal material é bom?”, “o sistema de avaliação serve para algo?”, “aquele professor é bom mesmo ou mais um incompetente pendurado no serviço público?”).
É estranho perceber que uma pessoa que se diz cidadão de caráter rir (e se orgulhar) de ter conseguido enganar o governo, sonegando impostos. A cobrança pode não ser justa, mas isso não faz ser justo o ato de ir contra a lei. Como alguém pode se orgulhar de cometer um crime?
É estranho ver motoristas que sinalizam para quem vem em sentido contrário, avisando a existência de radares. Se existe um limite de velocidade, é preciso respeitá-lo. Se um motorista decide não seguir as normas, deve ser punido conforme a lei. Avisar sobre a existência de radares seria o mesmo que dizer “pode fazer errado, mas só quando não estiverem olhando!”. Assim também, um bandido poderia roubar e alguém ficar na porta para avisar quando a polícia estivesse chegando – seria correto? Não; o sentido é o mesmo.
É estranho um povo não ter a consciência crítica mínima necessária para observar que uma religião que escraviza e se aproveita da crença para conseguir mais seguidores nada tem a ver com verdade revelada ou amor. A fé instituída é política e responde a interesses não apenas do divino, mas também – e, talvez, principalmente – do humano.
É estranho perceber que há pessoas que se gabam de conseguir burlar leis ou passar na frente de outros, tomando um lugar que não seja seu. Tomar algo do outro (seja um bem ou um lugar em uma fila, por exemplo) não poderia ser motivo de satisfação; mas parece que isto cada vez mais se torna exemplo.
Enfim, eu poderia, aqui, elencar mais e mais coisas estranhas que vejo. Mas penso que minha ideia foi exposta de maneira clara. Da minha loucura cuido eu... loucura que não quero perder!

Um comentário:

  1. É tanto ser em ter
    E ter em si,que me perco
    E penso se em si não estaria meu perto porto perdido...
    Eu penso..espero, continuo chorando...
    Esperando... esperando...
    Sim, há tempo de ser-se, há tempo de querer-se
    De querer-te... há?
    há...
    O tempo fora do tempo, é vivido em pensamento,
    É vivido em porções exatas,
    É vivido e vívido por ser, pensar e estar-se em si,
    Em ti... em mim...
    Sim, existem sempre as reminiscências do tempo, do ser-se,
    Do ter-se, do se ter, seja como for, prostrado em frente de quem se for,
    Na espera...
    Diante de quem quero... como eu quero, como há de ser,
    Ou da forma que puder.
    Há!

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